Foi por conselho do enólogo seu amigo Rui Reguinga, que o ex-bailarino, critico de vinhos e jornalista João Afonso descobriu as vinhas de Cabeças do Reguengo, nas cercanias de Portalegre, privilegiado terroir alentejano. Cedendo a uma paixão pelos métodos antigos, manteve todos os pés de vinhas centenárias que a propriedade albergava, sujeitando a vinha a uma dispendiosa recuperação integral. Rejeitando os químicos, decidiu ir mais longe e abraçou uma agricultura biodinâmica para fortalecer os solos e as plantas, e tornar os vinhos mais intensos e genuínos.
É uma vinha consociada com oliveiras e árvores de fruto, ervas e flores, em que as castas crescem misturadas de modo a preservar a biodiversidade própria das tradições locais. Ancestralmente estas vinhas estavam ao serviço dos sete conventos de Portalegre, fornecendo o néctar das liturgias que era produzido em grandes talhas de barro.
O microclima da região acrescenta exuberância a este terroir de perfil mediterrânico, que João Afonso trabalha com um respeito extremo pelas características individuais de cada planta. O resultado é um portfólio fascinante de vinhos de lote, com grande variedade de castas, que tenta capturar a sabedoria dos homens e da natureza numa vinificação reduzida à sua essência, que rejeita toda a cosmética, procurando uma expressão absoluta do terroir. A estes vinhos João Afonso chama “Slow Wines”, privilegiando o carácter em vez da uniformidade.
Divide-os por “marcas dos astros”, como o tinto Solstício de vinha centenária e o branco Equinócio de vinha velha, por “marcas da vida” como o Respiro, feito com uva de diversas proveniências, e por “marcas da terra” como o Seiva tinto, feito e vinhas novas. Desenvolve ainda um espumante da Beira, feito com Chardonnay.
Esta combinação fascinante de métodos, castas, origens e processos de vinificação (os barris, as cubas de cimento, as ânforas) contribuem para dar aos vinhos de João Afonso uma diversidade e complexidade muito próprias, que é a diversidade da Natureza. A altitude elevada e a aragem da serra de São Mamede fazem o resto, emprestando a cada um toda a frescura e boa acidez que os grandes apreciadores lhes reconhecem.
São vinhos que surpreendem, que recuperam memórias e patrimónios, e que, como afirma o seu autor, mostram “os valores clássicos” de um modo de vida que nunca foi tão importante recuperar.